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Mostrando postagens de 2021

Um sonho lindo!

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O lugar era escaldante, quase desértico... Avermelhado pelo sol forte, era quase impossível distinguir, no horizonte, o céu da terra... De muito longe vinha uma música mansa, certamente um violino. Era tocado tão suavemente que mal se ouvia! E uma folha se desprendeu (do galho?) e tocou o chão no mesmo instante em que se juntou ao violino um acordeão, sereno e firme. O dueto se perpetuou por instantes naquele silêncio.  Então, um pássaro, saído misteriosamente de uma única e minúscula  nuvem, se fez presente e tão lindamente entoou seu canto que a música era agora uma tríade: um violino, um acordeão e uma flauta. O ouvido, agradecido, buscava outros sons, mas não encontrava. Só a música, que foi acrescida inesperadamente com notas de um som sublime saídas de um piano executado gentilmente. Já era uma orquestra... Mas não parecia estar completa.  O vento forte, que se sentia na pele, trouxe em acréscimo um oboé, com seu som definido e fino, quase tímido. Ao olhar para um l...

O café esfriou

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"Cessa a chuva, e dela fica, um momento, uma poalha de diamantes mínimos, como se, no alto, qualquer coisa como uma grande toalha se sacudisse azulmente dessas migalhinhas. " ( Fernando Pessoa ) Depois de uma chuva noturna, mansa, acordei mais cedo que o normal... Madrugada ainda e o corpo se recusou a ficar na cama, tudo escuro lá fora. Me coloquei de pé e fui à cozinha. Cafeteira ao fogo, aguardei. Uma porção de café, gotas de leite e outras de adoçante. Xícara na mão, me dirigi para a sacada e, cotovelos no parapeito, fiquei a observar o que mal se via. Paisagem urbana: ruas desertas pouco iluminadas e prédios semi-escondidos na escuridão com raras luzes mostrando que eu não estava só. Ainda se via alguns " diamantes " de chuva na contra-luz dos postes... Respirei profundamente um ar fresco, umedecido pela chuva da noite que estava se exaurindo, e fiquei observando. Pouco a pouco a magia foi se fazendo presente. A luz da manhã, inicialmente tímida, co...

Feito água

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"Acordei hoje muito cedo, num repente embrulhado, e ergui-me devagar da cama, sob o estrangulamento de um tédio incompreensível. Nenhum sonho o havia causado; nenhuma realidade o poderia ter feito. Era um tédio absoluto e completo, mas fundado em qualquer coisa. No fundo obscuro da minha alma, invisíveis, forças desconhecidas travavam uma batalha em que meu ser era o solo, e todo eu tremia do embate incógnito. Uma náusea física da vida inteira nasceu com o meu despertar. Um horror a ter que viver ergueu-se comigo da cama. Tudo me pareceu oco e tive a impressão fria de que não há solução para problema algum." Este tédio senti dia desses entrando em minha alma, feito água de chuva quando infiltra calma e lentamente em um solo arenoso e seco depois de longa estiagem. O motivo não sei, mas foi se acumulando lentamente que finalmente transbordei... E como o tédio ainda está por aqui, cobrindo tudo, vou ficando largo em sentimentos sempre doloridos. Tento entender o que ocorre(u), ...

Um passarinho...

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Um certo dia, tempo faz, um passarinho se colocou de pé à beira do ninho e, batendo forte as suas asas, imaginou que poderia voar sozinho iniciando sua vida livre e própria. O plano: cruzar os mares e tentar a vida em outras paisagens. Arrumou tudo, inclusive os sonhos, e em um dado instante lançou-se na maior aventura de sua vida. Veio parar aqui, transformando essa terra na sua nova casa, seu novo ninho! Encontrou o amor, teve filhos, netos, bisneta, trabalhou duro e muito e viveu uma vida boa, pouco preocupado consigo mas sempre generoso com os demais, entre erros e acertos foi feliz. Nunca mais retornou ao seu ninho de origem. Dizia sempre que a casa dele era aqui, com os seus. Muitos anos se passaram, até que as forças de suas asas foram diminuindo e os sonhos também. Batendo cada vez mais fracas, suas asas denunciavam a chegada do período de descanso, que diga-se não fora planejado em nenhum momento. Eu, como filho, acolhi e fiz dele meu passarinho com todo cuidado, carinho e o c...

Enquanto espero, abraço um pé de jambo...

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Oi filha! Mais um ano... Seis anos! E meu maior temor é ser repetitivo! Dizer-te as mesmas coisas de sempre: saudade, uma dor constante, uma incompreensão de tudo, dúvidas, ausência, etc, etc... Acho que deves estar cansada de ouvir este pai reclamar... Mas o que posso fazer? Cada um desses sentimentos, incluindo o amor para sempre, ainda estão presentes. E fico entre a esperança de um dia voltar a ver-te, a partir de crenças que já não tenho mais, e a razão, que sempre me puxa assim que tiro os pés do chão! Neste vai-e-vem, entre a esperança e a razão, continuo convivendo com sua ausência física.  Então , "eu sugeriria que espiritualidade tem algo a ver com isto: viver em meio à presença de uma ausência. É daí que surge tudo que de belo fazemos: o amor, a poesia, os jardins, a música, as revoluções... Tudo. Fazemos essas coisas para completar esse pedaço que está faltando. Ah! Pedaço de mim, que me arrancaram... Sou espiritual por causa disto (não por causa de deuses!) : do meu c...

Crepúsculo

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Quando sentei-me em uma cadeira de descanso antiga, herdada de tios queridos, e que tento conservar como relíquia (que é), os pés ainda estavam molhados do banho recém tomado depois de um dia longo e feliz. Coloquei-os confortavelmente a secar. A claridade do sol se fazia ainda presente, mas era pouca... Começara anoitecer e, como sempre neste momento, me senti velho. Mesmo assim, a memória resgatou uma frase encantadora de Fernando Pessoa , que resume com excelência a chegada da noite: " Vago pingo trêmulo, clareia pequena ao longe a primeira estrela". Uma lágrima rolou face abaixo, não de tristeza, mas de encantamento pelo crepúsculo. Sim, tenho pelo crepúsculo um real encantamento! Além de ser um fenômeno natural e magistral, tem ele, para mim, muitos outros significados! Um deles diz respeito a idade que tenho, já crepuscular certamente... E o entendimento disso me faz mais tranquilo. Não corro da velhice pois nela vivo desde sempre, por isso sempre me chamei ...

Me traga..., amigo!

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Me traga uma taça de vinho, amigo! Quero transformar meu velho sangue Em algo que tenha mais significado, Em algo mais novo e cheio de vida! Me traga um belo naco de pão, amigo! Quero transformar minha velha fome Em algo cuja dor seja menos sentida, Em algo pelo qual não seja preciso gritar! Me traga um lindo favo de mel, amigo! Quero transformar meu velho amargor Em algo que signifique sempre doçura, Em algo que inspire sempre o amor! Me traga um fresco copo d'água, amigo! Quero transformar minha velha sede Em algo que seja verdadeira leveza, Em algo que traga paz para a alma! Me traga uma tocha de fogo, amigo! Quero transformar meu velho caminho Em algo que seja de novo iluminado, Em algo que seja para sempre visível! Me traga por fim, amigo, um vento forte! Quero transformar minha velha calmaria Em algo como uma belíssima tempestade, Em algo que não deixe nada no lugar! Ah, amigo, se num desses dias puder, Me traga também tua presença!! (PARA O DIA DO AMIGO, 20/07/21...

Manacá

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Tenho muitas flores em meu jardim, em meu paraíso. Mas me encanta o manacá da serra ! Floresce na cor branca, feminina, e depois vai envelhecendo até se tornar lilás, masculina. Juntas na mesma planta! A Natureza é nossa grande deusa, tenho certeza! JUNTOS ( Bruna Lombardi ) Juntos na tempestade que virá juntos no sol depois da chuva juntos nessa floresta escura abrindo caminho onde não havia. Juntos na viagem do destino* na estrada para o desconhecido descobrindo a secreta passagem e a total abrangência de estar vivo. Juntos no ritmo, no som e no silêncio sabendo que o amor é transformador. Juntos na chama que carregamos com um brilho que ilumina o universo. * Eu usaria a palavra "acaso", mas... O poema é dela! ** Manacá: na língua Tupi significa "linda flor" ou "flor nas cores branca e azul" (lilás). Foto: Primeira florada do meu Manacá, Jun/Jul 2021, no Paraíso!

De outro mundo...

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Às vezes, sem causa aparente – ou, como dizemos em espanhol, porque sí –, vemos de verdade o mundo que nos rodeia. E essa visão é, a seu modo, uma espécie de teofania ou aparição, pois o mundo se revela para nós em suas dobras e abismos como Krishna diante de Ajurna. Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim; todas as tardes nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado, feito de tijolos e tempo urbano. De repente, num dia qualquer, a rua dá para outro mundo, o jardim acaba de nascer, o muro fatigado se cobre de signos. Nunca os tínhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim: tantos e tão esmagadoramente reais. Sua própria realidade compacta nos faz duvidar: são assim as coisas ou são de outro modo? Não, isso que estamos vendo pela primeira vez já havíamos visto antes. Em algum lugar, no qual nunca estivemos, já estavam o muro, a rua, o jardim. E à surpresa segue-se a nostalgia. Parece que nos recordamos e quereríamos voltar para lá, para esse...

Nova madrugada...

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Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir — é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção — isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos. Esta madrugada é a primeira do mundo. ...  Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que foi será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão. ... (Fernando Pessoa) Foto: Rodovia Uberlândia-Prata/MG (abr/21)

Tire...

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Tire as velhas algemas... Tire as amarras mentais... Nada coloque no lugar além de liberdade! Tire as terríveis verdades alheias... Tire tudo que traga dúvidas... Nada coloque no lugar além de tempo! Tire as crenças antigas... Tire as cansadas certezas... Nada coloque no lugar além de paz! Tire as pressas ultrapassadas... Tire as angústias antecipadas... Nada coloque no lugar além de sonhos! Tire a necessidade do perdão... Tire o hábito estúpido de julgar... Nada coloque no lugar além de compreensão! Tire a cruel indiferença ao outro... Tire o velho olhar sem ver... Nada coloque no lugar além de amor! Foto: Ouro Preto, Jan/2018

A régua do tempo

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Esse texto "exige" uma abstração durante a leitura.  "Imagine que exista vida sobre a terra, sim, mas nenhuma das formas existentes são humanas; então, para que serve o tempo? Não seria ele mais uma das invenções da humanidade?" O amanhecer: a presença da luz! "Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga." ( Mia Couto , escritor moçambicano, 1955-) Em uma primeira análise, podemos considerar o tempo como construção subjetiva, humana. Esse conceito, de forma simplificada, existe desde os tempos dos filósofos gregos e foi, mais tarde, firmemente fixado por  Santo Agostinho (filósofo argelino; 354-430) ; ele dizia: " O que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se quiser explicar a quem me perguntar, já não sei ." Eis a conotação subjetiva. Já para  Hume   (filósofo britânico; 1711-1776) , o tempo só existe se for considerado como registro da ligação entre um evento e outro no espaç...

Envelhe(s)er

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Primeiro, e rapidamente, explico: envelhecer se escreve com "c", evidentemente. O trocadilho é apenas para explorar o tema de hoje: envelhecer "sendo"! Muitos autores escreveram sobre o assunto, por observação ou por experiência própria. E é muito particular a visão da velhice sobre si mesmo ou sobre o outro. Às vezes temos o privilégio de viver as duas coisas ao mesmo tempo: envelhecer vendo outros envelhecer. Na verdade é uma situação natural, pois passamos pelas 24 horas de cada dia  igualmente, ou seja, todos envelhecemos a partir do momento em que nascemos, pelo menos cronologicamente! Se você que me lê me conheceu exatamente há 30 anos, hoje estou mais velho exatamente 30 anos... E você também! Mas o que muda então? Muda, no tempo, a forma como olhamos para a velhice, nossa e do outro, a maneira como formamos a imagem do outro, e também a nossa. Muda a forma como construímos nosso envelhe(s)er!!! O " aspecto particular pelo qual um ser ou um o...

Quantos somos?

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Observei, assim distraidamente, uma pétala desbotada, no meio de tantas outras pétalas, todas arrancadas, pelo vento e pelo tempo, da mini-roseira que enfeita meu jardim. Caída sobre cavacos de madeira, sabe-se lá por qual motivo, a imagem tocou-me na lembrança de um trecho de um dos muitos textos de Fernando Pessoa presentes no incrível e incomparável Livro do Desassossego: Criei-me eco e abismo, pensando. Multipliquei-me aprofundando-me. O mais pequeno episódio ― uma alteração da luz, a queda enrolada de uma folha seca, a pétala que se despega amarelecida , a voz do outro lado do muro com os passos de quem a diz juntos aos de quem a deve escutar, o portão entreaberto da quinta velha, o pátio abrindo com um arco das casas aglomeradas ao luar — todas estas coisas, que me não pertencem, prendem-me a meditação sensível com laços de ressonância e de saudade. Em cada uma dessas sensações sou outro, renovo-me dolorosamente em cada pressão indefinida. Vivo de impressões que me não perten...

Uma lembrança querida...

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" E quando a noite vai se agonizando no clarão da aurora... " nos encontramos novamente: eu e a insônia! Juntos repassamos, em uma daquelas visitas, memórias de tempos idos e que se alojam no fundo da alma... Então, sem causa aparente, recuperamos passagens de bem-querer firmemente gravadas. Vem a saudade e faz-nos companhia... Lembrei-me hoje das noites na fazenda de meu avô. Em férias de escola, ficávamos eu, ele e minha avó, sozinhos em uma fazenda onde, à época, não havia nem energia elétrica nem muitas outras coisas, mas era muito bom... Ainda garoto tinha medo daquela solidão, que depois aprendi amar. O medo surgia quando chegava a escuridão da noite, de resto era só aventura, só alegria. A casa era boa, mas simples. Não tinha forro e, por isso, era possível se comunicar através dos diferentes cômodos. Para aplacar o meu medo, meu avô, sabiamente, providenciava toda noite uma lamparina a querosene, apenas com o pavio molhado, e a acendia para que tivesse claridade no qu...