8 anos...

Oi filha!

8 anos... Ainda existe o sentimento de ausência, aquela drummondiana (falei dela ano passado), impregnada na alma, sem chances de mudança. Não causa tristeza, mas saudades sim, imensas e de tudo! Soa repetitivo (também falei disso algumas vezes), eu sei, mas sua falta é sentida todos os dias, repetidamente, insistentemente! Os sentimentos também, que posso fazer...

"As pálpebras limpam os olhos de poeiras. 
Que pálpebras limpam as poeiras do coração?" 

MIA COUTO traduz com exatidão aquilo que se passa em mim depois de 8 anos... Tem dias, muitos dias, sabe filha, que ainda não acredito ou não quero acreditar... E, confesso, me revolto! Revolta silenciosa, que aos poucos se abranda, restando, como consolo, imaginar como seria ter você por perto, fisicamente. Deste sonho emana sempre coisas belas: um belo passeio em um lugar novo (sempre gostamos), sua relação com sua filha (cada dia mais parecida com você), você brava com algum exagero meu (como sempre), o cuidado com sua mãe (que tanto sente sua falta), a parceria linda com seu irmão (que, como eu, não entende e tanto sente), a cumplicidade com sua cunhada (certeza que você ia gostar dela, ainda que com algum ciúmes!), e tantas outras coisas... Como sempre, quando lembro você, vejo a delicadeza, sinto a beleza! Pode até ser olhos de pai, mas...


E sobre a beleza, encontrei outro dia um poema do "nosso" FERNANDO PESSOA, chamado "Em Busca da Beleza":

Soam vãos, dolorido epicurista,
Os versos teus, que a minha dor despreza;
Já tive a alma sem descrença presa
Desse teu sonho, que perturba a vista.

Da Perfeição segui em vã conquista,
Mas vi depressa, já sem a alma acesa,
Que a própria ideia em nós dessa beleza
Um infinito de nós mesmos dista.

Nem à nossa alma definir podemos
A Perfeição em cuja estrada a vida,
Achando-a intérmina, a chorar perdemos.

O mar tem fim, o céu talvez o tenha,
Mas não a ânsia da Coisa indefinida
Que o ser indefinida faz tamanha.

Em um atrevido exercício de quase ignorância no assunto, imaginei a substituição da palavra Perfeição por Beleza, que está presente no título. E tive a grata surpresa de verificar que o sentido do poema não se alterou - ou pelo menos teve sentido também, para mim -, o que me levou a pensar que Beleza e Perfeição, aqui, tem significados semelhantes. Me perdoe, poeta... Mas concluo: a busca pela beleza é igualmente vã, pois hoje estou certo de que Beleza é uma manifestação da alma que se "materializa" de formas diversas: o colorido de uma flor, os diferentes tons de azul de um dia solar, as brancas espumas produzidas pelo mar em movimento, um belo poema, uma tempestade, um sorriso, um "eu te amo" dito a qualquer hora, o nascimento de um filho, o voo do pássaro, aquela música que faz chorar (ou rir), o arabesco das asas de uma borboleta... Quem vê ou sente essas coisas - e tantas outras - suspira e esse suspiro é a alma manifestando ter reconhecido a beleza! É uma das formas de conquistar a Beleza: através da contemplação de coisas simples, fazê-la nascer de dentro para fora e não o contrário! Tem que vir da alma... É isso que sinto quando lembro você, filha! 

Filha, o poeta e cantor OSVALDO MONTENEGRO, na lindíssima "Estrelas", diz que a ausência causa marcas, que por sua vez produz sentimentos diversos. Em mim a marca foi esse despertar para a busca da beleza, mesmo vã, um treino iniciado pelos olhos e que hoje nasce na alma. 

Pela marca que nos deixa a ausência de som
Que emana das estrelas
Pela falta que nos faz
A nossa própria luz a nos orientar.

Doido corpo que se move
É a solidão nos bares que a gente frequenta
Pela mágica de um dia
Que independeria da gente pensar.
...

E sinto uma mistura de tristeza e culpa por pensar que esse despertar, essa atenção maior por coisas da alma, aconteceu com sua partida. Um paradoxo pois perdi aquela fé tradicional, você sabe. Poderia o universo ter feito esta mágica de outra forma em mim, mas o acaso quis assim. E você se foi... Filha, não chegamos a eleger uma música nossa, embora gostássemos de muitas, mas creio que posso escolher uma para lembrar você, talvez "Love of my life", do Queen. Com certeza você é um dos amores da minha vida, eternamente! Como te amo! Ou então, "O inverno", de Vivaldi, que transborda ternura, suavidade, delicadeza, características suas que não esqueço!

E completo, então, a música do MONTENEGRO:

...
Não me fale do seu medo
Eu conheço inteira a sua fantasia
E é como se fosse pouca
E a tua alegria não fosse bastar.

Quando eu não estiver por perto
Canta aquela música que a gente ria
É tudo o que eu cantaria
Quando eu for embora, você cantará.

Esse final não é exatamente o que eu gostaria, a natureza deveria levar primeiro os pais, bem mais adequado e sensato. Então, eu canto...

É isso linda! Repetições... Lamentações... Incompreensões... Saudades... Embora a crença seja pequena - e você sempre soube disso -, se estiver em algum lugar que minha inteligência não alcança, lembre-se sempre que eu te amo! Muito e verdadeiramente!

Beijo!! Que vontade de um abraço seu... 

17.09.2023

Apenas para lembrar, AUSÊNCIA, segundo DRUMMOND:

"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. 
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim."

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