Carta à minha filha: 10 anos sem Lara
Minha Lara,
Hoje o calendário insiste em me lembrar: dez anos. Dez anos desde que o mundo ficou mais silencioso e meu peito mais apertado. Mas, aqui dentro, você nunca partiu. Você caminha comigo nos dias claros e se senta ao meu lado nos dias escuros. É como se a vida tivesse criado um fio invisível entre nós, e por ele envio todos os dias a minha voz, o meu amor, o meu abraço.
Lembro-me do seu riso, que era como água correndo em pedra limpa — leve, livre, impossível de segurar. Guardo a sua voz como quem guarda um segredo precioso, daqueles que a gente só compartilha com a alma. E às vezes, quando o vento bate de um jeito especial, eu quase consigo ouvir você me chamando, certo de que “as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão”, como disse Drummond.
O tempo, filha, é um professor estranho. Não me ensinou a esquecer, nem quero que ensine. Ele apenas me mostrou como viver com essa saudade que é mais companheira que inimiga. Ela se senta comigo à mesa, me acorda nas madrugadas, e me lembra, todos os dias, que “saudade é um pouco de estar em um lugar que não se pode ficar”, nas palavras de Rubem Braga.
Nos meus sonhos, você chega sempre sorrindo. Não importa como o sonho começa, ele sempre termina com seu abraço — aquele que tinha a medida exata para caber no meu coração. Quando acordo, há um instante em que a fronteira entre o sonho e a realidade se confunde, e eu juro que você esteve ali, de verdade, me visitando. É quando recordo que “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, como escreveu Fernando Pessoa.
Filha, há uma parte de mim que continua sendo pai de uma menina viva, curiosa, cheia de planos. Essa parte conversa com você todos os dias, conta novidades, pede conselhos. Sei que talvez pareça loucura para o mundo, mas, para mim, é apenas amor em movimento, atravessando dimensões. Afinal, “o que a memória ama fica eterno”, diz Adélia Prado.
Os dez anos não são um fim. São apenas a prova de que a nossa história é eterna. Porque não existe “antes” e “depois” quando se trata de amor de pai e filha. Existe só um “sempre” — e o nosso sempre está intacto, lembrando que “o amor é a única coisa que cresce à medida que se reparte”, como ensina Mia Couto.
Se um dia eu puder te encontrar novamente — não acredito muito nisso, sei lá —, não precisaremos dizer muita coisa. Bastará o abraço, aquele mesmo que ainda sinto, mesmo que o mundo diga que não está aqui. Até lá, sigo vivendo com você dentro de mim, onde ninguém pode te levar.
Eu te amo para sempre, filha.
Eternamente, seu pai.
Quanta beleza e emoção tirada de uma tristeza que só quem perdeu alguém que ama muito consegue entender. Parabéns pelo texto, pela maturidade e pela forma de enxergar a aventura que é a vida.
ResponderExcluirQue texto lindo! 🥹
ResponderExcluirReceba meu abraço, amigo querido.
Muito lindo seu texto Júlio. Com certeza sua filha recebeu cada palavra aí escrita. Não morremos, deixamos a vestimenta nesta terra e seguimos em outra dimensão, mas estaremos sempre unidos a quem amamos e os reencontramos após nossa passagem.
ResponderExcluirEsse texto traduz em palavras todo o amor compartilhado que presenciei durante uns bons anos. Muito bom reviver tudo, sinta meu forte abraço 🫂 Muitas saudades
ResponderExcluirMeu grande amigo e irmão Julito, sei do seu sofrimento porque acompanhei o seu amor mesmo antes dela nascer, já faz 10 anos e a vida segue seu rumo. É assim que tem que ser.
ResponderExcluirDeixo meu abraço bem apertado!
ResponderExcluirJúlio!!
ResponderExcluirPresente uma benção de uma relação tão generosa.
Ainda hoje me lembro de você e a Sônia, na Rio Funil, em visita a mim e a Cris, grávida do Dani, contando as peripécias da filha em um churrasco na Pulgatório.
Muito expressivo. Um abraço fraterno!!