Palavra

É estranho, mas ocorre com uma frequência que por vezes assusta. Para quem gosta de escrever, exibir ideias conexas, juntar pensamentos, seus e de outros, quando as palavras somem, e por algum tempo nada se expressa com clareza, sobra um desespero aterrorizante. É, penso, parecido com a situação de um centro-avante que por muitas partidas de futebol não consegue fazer gols. 

Fico imaginando o motivo, mas nada de concreto me ocorre. Talvez seja inquietações da alma impedindo que se organizem os pensamentos; ou, sentido oposto, é a calmaria da alma que não produz coisa alguma, refletindo bem a expressão de Rubem Alves: "ostra feliz não faz pérolas"! Tenho dúvidas: será mesmo preciso estar triste, aflito ou incomodado, para produzir pensamentos nobres? Não sei...

Mas me consolo quando vejo que entre os grandes mestres da escrita isso também ocorre (ou ocorreu), como lindamente descrito por Drummond na canção denominada "O lutador":

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.

Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue…
Entretanto, luto.

Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Quisera possuir-te
neste descampado,
sem roteiro de unha
ou marca de dente
nessa pele clara.
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura.

Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.

Iludo-me às vezes,
pressinto que a entrega
se consumará.
Já vejo palavras
em coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
aquela sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor
me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! é o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.

O ciclo do dia
ora se conclui 
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.

É uma obra prima! Linda descrição do que sinto esses dias, uma incapacidade de produzir com palavras... Mas eu as amo... E tenho certeza que as nuvens que as escondem hoje vão embora a qualquer hora... E, então, voltarei a fazer amor com elas!

PALAVRA

Ao olhar o céu escuro e frio,
Com aparência de vazios imensos,
Mas pleno de muitas belas estrelas,
Procuro encontrar-te entre tantas
Infinitas possibilidades que tens.

Mas nesses dias, especialmente,
Não a encontro, ainda que tente,
Muitas vezes cansando a alma.
Então desisto de ser garimpeiro
Em busca de lindas raras jóias.

Ah palavra! Santificada palavra...
Porque não sai desse esconderijo
E vem tingir de preto com suas linhas
O branco papel à minha frente
Que espera o traduzir dos sentimentos?

Onde estás palavra? Onde?
Vem, me redime desta falta de assunto...

... Foto ...
Fazenda São João, Uberlândia/MG, 24.10.20, num dia nublado, como meus pensamentos!

Comentários

  1. Se isso é não ter palavras,aguardo quando elas brotararem !!!

    ResponderExcluir
  2. Algo controverso...vejo uma profusão de palavras!! Talvez voce esteja procurando algo a mais...mas o simples e singelo, vindo da alma, é profundo!!

    ResponderExcluir
  3. A procura das palavras se fez poesia...simplesmente lindo!!

    ResponderExcluir
  4. Palavras profundas, ate eu na minha ignorância, sai do meu mundo e viajei!!!!!! isso me faz acreditar que merece mais, já pensou???

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Carta à minha filha: 10 anos sem Lara

Veredas

O assunto