Veredas

Dia desses (tempo já faz), retornando de um trabalho no campo, observei que o sol lentamente entrava em ocaso. E lá bem distante, na linha limite entre o céu e a terra, começavam uma sucessão de cores impressionante: o laranja dava lugar para o vermelho sangue; o azul escuro era substituído por um roxo mórbido e os tons amarelos misturavam-se em diferentes intensidades com o branco de algumas poucas nuvens, que reluziam feito ouro por ação do resto de sol. Tudo em faixas quase horizontais, finas, que trocavam de lugar a cada piscada, uma mistura de cores impressionante. Um espetáculo. E lembrei-me, sem saber o motivo, da expressão de João Bosco e Aldir Blanc, na música O equilibrista:

E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas...

Estacionei rápida e cuidadosamente em um lugar ligeiramente alto da estrada e coloquei-me a observar, a contemplar, a saborear a beleza do instante. Sim, instante... Mesmo tendo pedido aos deuses da natureza que perpetuassem aquele momento, não durou mais do que isso: um instante. Talvez por isso tão belo!

Embora tenha sido um instante, mágico sem dúvida, observei no baixo da paisagem algumas palmeiras, alguns buritis. Imediatamente me veio à mente diversas lembranças que vou tentar juntar aqui, agora. Espero que não me falhe a memória.

O pensamento mais marcante foi "veredas", os buritis, inevitável para um morador do cerrado a mais de trinta anos. Com muitas definições, vou me ater a duas para facilitar. A primeira, uma definição geográfica, ambiental e ecológica: "veredas são áreas de exsudação do lençol freático e, por isto mesmo, em todas as suas variações tipológicas, são nascentes muito suscetíveis de se degradarem rapidamente sob intervenção humana predatória. É um bioma do cerrado e forma-se principalmente em vales estreitos, dando, por vezes, início a pequenos cursos d'água". A segunda definição é etimológica: "vereda é um caminho apertado, desprovido de espaço (talvez do latim, vereda: rumo, direção)". Por extensão da definição, enveredar significa "tomar um caminho". Aqui vou enveredar, então, pela segunda definição.

Em diferentes formas e intensidades, conscientemente ou não, todos nós percorremos caminhos para dentro de nós mesmos. E o que buscamos nestas viagens? Difícil responder porque os objetivos são os mais diversos. No entanto, algo em comum ocorre: a busca, o caminhar... Para todos que praticam, um prazer muito grande... Muitas descobertas!

Talvez seja isso que me fascine tanto nas veredas: o fato de que, ao mesmo tempo em que são caminhos físicos, tangíveis, elas também representam caminhos internos, subjetivos, que trilhamos ao longo da vida. Diante de um pôr do sol tão marcante, de um cenário que reúne céu, cores e buritis, é inevitável não sentir-se pequeno diante da imensidão e, ao mesmo tempo, profundamente conectado com algo maior, algo que pulsa dentro da gente, silenciosamente. As veredas externas nos levam a paisagens encantadoras, mas as veredas internas nos aproximam de quem realmente somos.

Lembranças antigas, sentimentos esquecidos, reflexões inesperadas: tudo isso parece emergir nesses momentos em que o tempo desacelera e o mundo lá fora silencia. É como se a natureza nos oferecesse, generosamente, um espelho – não daqueles que mostram o rosto, mas os que revelam a alma. E assim seguimos, enveredando por dentro, tropeçando às vezes, acertando noutras, mas sempre aprendendo a reconhecer os próprios passos.

Talvez os buritis ali de pé, firmes e serenos, saibam de tudo isso há muito tempo. Talvez por isso sejam considerados sentinelas das veredas. Eles veem o tempo passar, testemunham a seca e a chuva, a passagem de animais e homens, sem nunca se moverem de seu lugar. Estão ali, como quem guarda segredos antigos, como quem entende que todo caminho, por mais estreito que pareça, leva a algum lugar – nem que seja a uma nova pergunta.

E foi com esse espírito que voltei ao carro, já com o céu escurecendo e as últimas cores se despedindo do horizonte. Sentia-me renovado, como quem, sem perceber, havia caminhado por dentro de si mesmo. E, mesmo sem ter todas as respostas, voltei com a certeza de que vale a pena enveredar – pelas veredas do cerrado e pelas veredas da alma.

14.05.25

Comentários

  1. Que texto lindo, Júlio!
    Feliz novo ciclo! E que continue "enveredando" sua alma por caminhos tão belos!

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  2. Isso aí Júlio, enveredar faz um bem ENORME!!! Que vc "enverede " esse novo ciclo, junto a um turbilhão de paz !!!!

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  3. Lindo, meu querido!

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  4. Belo o texto ,fico feliz por vc retornar a escrever ,Parabéns!

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