Os muros
Em uma dessas tardes iluminadas do início da primavera, sol ainda quente, caminhava rotineira e tranquilamente com meu cachorro por uma calçada ladeada, em um dos lados, por um muro relativamente alto, branco de colunas azuis, e do outro por algumas árvores plantadas em quadrados junto à rua. Nada se via do outro lado do muro. Ninguém caminhava na calçada além de nós dois; eu e o cachorro, solitários. Um muro...
Foi quase instantâneo o que pensei ou passei a pensar sobre o muro. Usado desde a antiguidade, muros tem uma função básica, definitiva: separar ou segregar ou dividir ou proteger ou limitar coisas, animais, pessoas - talvez ideias. Há no mundo muros famosos: de Berlim, das Lamentações e a Muralha da China, uma versão feminina, entre tantos outros... Na sua etimologia, muro significa "cerca", derivação do latim. Dá no mesmo...
Mas já disse Manoel de Barros: "Meu fado é de não entender quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades". Então os pensamentos saíram a caça de outros significados, outras profundidades sobre o muro... Pode isso?
O muro físico, aquele construído de pedras e argamassas de diversas origens é frágil pois, uma vez erguido por mãos humanas, pode, pelas mesmas mãos, ser colocado abaixo. Recorro, como exemplo, ao Muro de Berlim, um exemplo relativamente contemporâneo... Mas existem os muros mentais, imaginários, individuais ou coletivos... Como se erguem e como podem ser colocados abaixo, se necessário?
Os muros mentais possuem resistências diversas... Algumas são passadas de geração a geração e possuem apelo a partir do desconhecido. São revestidos por um reboco extremamente forte: o medo. E geralmente esses medos são sobre o que não se sabe, não se conhece, e cria-se histórias, lendas, que se misturam à falsa realidade. A mente descuidada absorve, protegida pelo reboco, e derrubar os muros assim construídos passa a ser extremamente difícil, às vezes impossível! A destruição desses muros só ocorre, de forma definitiva, de dentro para fora, ou seja, é preciso partir os tijolos internos para que isso produza fraqueza na estrutura e, por consequência, a quebra e a queda dos mesmos. Deve-se romper o reboco definitivamente...
Tanto quanto o muro físico, o muro mental, imaginado, suposto, impede a visão de um dos lados. Não se conhece o que existe do lado de lá, mesmo assim, do lado de cá toma-se como única opção correta apenas o que se vê, se sente, se sabe, ou se imagina ver, sentir, saber. Você, que me lê agora, percebe a existência de muros em sua vida? Consegue identificá-los? Nomeá-los? Teria coragem de buscar conhecer uma visão do outro lado?
Quem consegue atravessar algum muro, físico ou mental, pequeno ou infinito, pode ter surpresas agradáveis. As paisagens que pode vir a ver, sentir, podem abrir horizontes inimagináveis. O remédio chama-se coragem, vontade de aprender, de conhecer. A maioria dos muros oferece perigos para sua travessia, para serem pulados. Mas, muitos desses perigos são imaginários e baseados no medo, no desconhecido, na acomodação, na ignorância. A dor de atravessar algum muro - vencendo o desconhecido, em geral - não dói mais do que aquela de se arrepender de não ter atravessado, isso é certo! Já nos alertou Fernando Pessoa: "... os muros da cela infinita não nos podem soterrar, porque não existem; nem nos podem sequer fazer viver pela dor as algemas que ninguém nos pôs."
É isso. Proteja-se com os muros certos, aqueles que você tenha a certeza serem necessários. E encha-se de coragem para transpor os demais. Não vou nomear os muros de que falo, você saberá quais são!
Como disse Kant, “O mérito é esta qualidade de uma pessoa que repousa no querer próprio do sujeito segundo a qual uma razão legisladora universal (da natureza e do livrequerer) se harmonizaria com os fins dessa pessoa”.
*Foto: Muro em uma das ruas nas cercanias da minha casa, em Uberlândia/MG, Out/22.
É isso!! O medo é um reboco forte!! E de quanta vontade, bom ânimo, coragem precisamos!! Gostei muito!!
ResponderExcluirObrigado compadre, devaneios de quase sessentão!
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