7 anos...
Oi filha! Que saudades... Sete anos que não sei descrever... Não dói mais, exatamente, apenas o sentimento de vazio, uma lacuna que só se preenche com ilusões, nem sonhar é permitido! Fico buscando a cada ano o que te falar nessas cartas e por muitas e muitas vezes, quando se aproxima o momento, temo a repetição. Então coloco-me a buscar assuntos... Que saudades! Saudades de você e de nossas conversas... Mas você sabe que falo com você sempre, às vezes buscando até uma bronca, quando em mim se apresenta algo errado que creio ter feito! Uma doce loucura...
Quando digo, filha, que "nem sonhar é permitido" traduza como "sonhar com você interagindo comigo"! Sabes das minhas crenças (ou falta delas), também não quero repetir isso. Então torna-se o sonho uma coisa ilusória, sem possibilidade de se tornar real. Tal pensamento, por muitas e muitas vezes, traz-me à realidade... Isso faz com que aos poucos os sentimentos, e também as lembranças, se abrandem, parecendo que a febre do esquecimento ronda e perturba minha alma... Algo assim, filha, como se você fosse se tornando apenas vaga lembrança... Claro, logo passa... Tanto a alma como o corpo não podem esquecer... Deles me foi arrancada uma parte sem possibilidade de reposição...
E então recorro aos mais sábios para me acalmar. Veja o que diz Durmmond sobre a ausência, que produz os sentimentos mencionados antes:
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Como poderia alguém me roubar essa ausência sua? O pedaço arrancado de mim é você, filha... O vazio do pedaço que falta em mim é a sua ausência. Se puderes (sei lá, nunca duvido de nada!), nunca se esqueça disso, ainda que longe meus pensamentos por vezes viaje!
Mas tem mais um fator, aprendido ao longo destes 7 anos e que se consolidou pouco tempo faz... A implacável passagem do tempo muda nosso olhar para tudo, só colocar sentido! E isso ocorre não só com aquilo que vemos com olhos mas também, e principalmente, com aquilo que vemos (e sentimos) com a alma. Ver com a alma é habilidade que se adquire com o tempo! Por isso filha, vamos mudando a forma como enxergamos e entendemos essas ausências, essas dores, que tanto traz aflição para nossa alma! Hoje não vejo, e portanto não entendo, sua ausência como a via e tentava entender 7 anos atrás... Claro, eu não sou o mesmo, nem meus pensamentos, nem meus conhecimentos e, também, nem minha alma. Logo, não poderia entender sua ausência da mesma maneira. O abrandamento de sentimentos revoltosos, aqueles iniciais, é um dos sintomas dessa mudança. Mas não significa e nunca significará, repito filha, esquecimento, pela simples razão de não ser possível olhar-me e ver-me completo: falta você!
Já andava a pensar assim quando me deparei com um texto de Ecleia Bosi, uma psicóloga. Creio que confirma o que tento, meio atrapalhado, dizer a você, filha sempre amada, ainda que o texto não fale sobre ausências exatamente.
Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, "tal como foi", e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência (ou alma) atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo (ou de alguém), ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância (ou 7 anos atrás), porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de realidade e de valor (e nossa alma). O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista.
Creio que no fundo, filha, essas alterações nas lembranças que temos das coisas, e também das pessoas que amamos, são frutos naturais da passagem implacável do tempo e não significam, para mim, esquecimento. De qualquer forma, assusta quando nos pegamos com tal sensação!
Por outro lado, 7 é um número cabalístico, com inúmeras interpretações e significados diferentes para cada versão de cultura a que se volte o pensamento. Não valeria a pena rever isso ou resumir isso. Nem todas tem significado que se aplique à vida real, pelo menos para mim. Então proponho uma listagem pessoal de 7 sentimentos ou atos que sempre me remetem a você e ao privilégio de ter sido seu pai, de termos compartilhado parte de nossa existência juntos. São eles: carinho, gratidão, aprendizado, fé, cumplicidade, gentileza e amor! E tantos outros...
De todas as formas você continua aqui, sinto isso, amo isso. Beijo grande filha! Te amo para sempre!!!
Foto: Igreja N. S. do Carmo, Ouro Preto, set/22, um passeio para matar saudades... Mas não consegui, algumas não morrem nunca!
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