Minha Lara, Hoje o calendário insiste em me lembrar: dez anos. Dez anos desde que o mundo ficou mais silencioso e meu peito mais apertado. Mas, aqui dentro, você nunca partiu. Você caminha comigo nos dias claros e se senta ao meu lado nos dias escuros. É como se a vida tivesse criado um fio invisível entre nós, e por ele envio todos os dias a minha voz, o meu amor, o meu abraço. Lembro-me do seu riso, que era como água correndo em pedra limpa — leve, livre, impossível de segurar. Guardo a sua voz como quem guarda um segredo precioso, daqueles que a gente só compartilha com a alma. E às vezes, quando o vento bate de um jeito especial, eu quase consigo ouvir você me chamando, certo de que “as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão”, como disse Drummond. O tempo, filha, é um professor estranho. Não me ensinou a esquecer, nem quero que ensine. Ele apenas me mostrou como viver com essa saudade que é mais companheira que inimiga. Ela se senta comigo à mesa, me acorda...
Dia desses (tempo já faz), retornando de um trabalho no campo, observei que o sol lentamente entrava em ocaso. E lá bem distante, na linha limite entre o céu e a terra, começavam uma sucessão de cores impressionante: o laranja dava lugar para o vermelho sangue; o azul escuro era substituído por um roxo mórbido e os tons amarelos misturavam-se em diferentes intensidades com o branco de algumas poucas nuvens, que reluziam feito ouro por ação do resto de sol. Tudo em faixas quase horizontais, finas, que trocavam de lugar a cada piscada, uma mistura de cores impressionante. Um espetáculo. E lembrei-me, sem saber o motivo, da expressão de João Bosco e Aldir Blanc, na música O equilibrista : E nuvens lá no mata-borrão do céu Chupavam manchas torturadas... Estacionei rápida e cuidadosamente em um lugar ligeiramente alto da estrada e coloquei-me a observar, a contemplar, a saborear a beleza do instante. Sim, instante... Mesmo tendo pedido aos deuses da natureza que perpetuassem aquele momento,...
É uma noite normal depois de um dia de trabalho... Mas hoje o sofá me incomodou e procurei a poltrona do escritório, onde me encontro agora. Para quem gosta de expressar ideias existem dias difíceis: nada que é pensado consegue ser traduzido em uma sequência de palavras que faça algum sentido para quem as lê posteriormente. Às vezes até acontece de uma luz "solar" brilhar sobre algo, mas surge inesperadamente, entre o sol que ilumina e o assunto iluminado, uma nuvem e tudo volta a estaca zero. Cada um que escreve, ou tenta, tem lá suas maneiras de enxergar através de nuvens. Por exemplo, buscar inspiração em alguma coisa escrita ou falada por outra pessoa, seja ela um poeta, um escritor, o senhor que limpa a praça, a senhora que se encontra toda semana na feira, etc. Alguma frase, algum poema que fique preso à nossa memória e que suscita o assunto. Hoje abri um antigo livro de Fernando Pessoa (Obra Poética), e encontrei ao acaso o poema a seguir (parte I), originalmente pu...
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