Quantos somos?
Observei, assim distraidamente, uma pétala desbotada, no meio de tantas outras pétalas, todas arrancadas, pelo vento e pelo tempo, da mini-roseira que enfeita meu jardim. Caída sobre cavacos de madeira, sabe-se lá por qual motivo, a imagem tocou-me na lembrança de um trecho de um dos muitos textos de Fernando Pessoa presentes no incrível e incomparável Livro do Desassossego: Criei-me eco e abismo, pensando. Multipliquei-me aprofundando-me. O mais pequeno episódio ― uma alteração da luz, a queda enrolada de uma folha seca, a pétala que se despega amarelecida , a voz do outro lado do muro com os passos de quem a diz juntos aos de quem a deve escutar, o portão entreaberto da quinta velha, o pátio abrindo com um arco das casas aglomeradas ao luar — todas estas coisas, que me não pertencem, prendem-me a meditação sensível com laços de ressonância e de saudade. Em cada uma dessas sensações sou outro, renovo-me dolorosamente em cada pressão indefinida. Vivo de impressões que me não perten...