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Carta à minha filha: 10 anos sem Lara

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Minha Lara, Hoje o calendário insiste em me lembrar: dez anos. Dez anos desde que o mundo ficou mais silencioso e meu peito mais apertado. Mas, aqui dentro, você nunca partiu. Você caminha comigo nos dias claros e se senta ao meu lado nos dias escuros. É como se a vida tivesse criado um fio invisível entre nós, e por ele envio todos os dias a minha voz, o meu amor, o meu abraço. Lembro-me do seu riso, que era como água correndo em pedra limpa — leve, livre, impossível de segurar. Guardo a sua voz como quem guarda um segredo precioso, daqueles que a gente só compartilha com a alma. E às vezes, quando o vento bate de um jeito especial, eu quase consigo ouvir você me chamando, certo de que “as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão”, como disse Drummond. O tempo, filha, é um professor estranho. Não me ensinou a esquecer, nem quero que ensine. Ele apenas me mostrou como viver com essa saudade que é mais companheira que inimiga. Ela se senta comigo à mesa, me acorda...

O tamanho de minhas asas: uma confissão

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Não tenho, neste momento, ideia alguma do que escreverei hoje... Talvez pela aflição de um sentimento que tomou posse do meu ser, como se tivesse atado minhas pernas (não me deixa sair do lugar), atado meus braços (não me deixa acenar por socorro), atado minha boca (não me deixa gritar), atado minha alma (perdi o ânimo)... Mas não conseguiu atar minhas mãos nem meu cérebro (não perdi a racionalidade), por isso escrevo. Mas antes de tudo, confesso: escrevo para mim, sem egoísmo. Se alguém ler e aproveitar alguma coisa, satisfeito ficarei. Mas ao contrário, caso não consiga atingir ninguém, paciência! Como disse Carlos Drummond de Andrade: “Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida.”  Quando digo aflição é na verdade falta de entendimento. Claro, respeito todas as formas de viver, com culturas, religiões, línguas, opções sexuais e tantas outras diferenças que possa haver. E advirto: respeito dentro das minhas condições intelectuais e d...

O QUE A MEMÓRIA AMA, FICA ETERNO

Quando pequena, não entendia  o choro solto da minha mãe ao assistir a  um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que  minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade  que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de  compreender.   O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano.   É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida  embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa,  eternizando momentos. Crianças têm o tempo a seu favor e a memória ainda  é muito recente. Para elas, um filme é só um filme; uma melodia, só uma  melodia. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.   Diante do tempo, envelhecemos, nossos filhos crescem, muita gente  parte. Porém, para a memória, ainda somos jovens, atletas, amantes  insaciáveis. Nossos filhos são crianças, n...

Uma visita a mim mesmo...

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Acordei magicamente sentado em um banco de jardim. A praça, desconhecida. A cidade, também. A manhã incompleta, envolta em uma neblina leve, aumentava meu espanto diante do mistério. Aquele friozinho entre a madrugada e o amanhecer parecia amplificado pela incerteza de não saber onde eu estava. Como Fernando Pessoa escreveu: "Tenho em mim todos os sonhos do mundo." E ali, perdido e assustado, sentia todos esses sonhos se esvaírem na névoa. O tempo parecia parado quando percebi outra surpresa: uma criança, não mais que seis anos, sentada na outra ponta do banco. Havia em seu rosto algo estranhamente familiar. Cabelos negros curtos, olhos intensos, traços reconhecíveis. Quando nossos olhares se cruzaram, um arrepio percorreu minha espinha. Era eu. Eu-criança, diante de mim mesmo. O tempo congelou-se. "Sou sua primeira lembrança de você mesmo", disse ele. E eu entendi o motivo do susto. Mais alguns segundos de eternidade se passaram até que ele continuasse. Disse qu...

"Deus falando com voce", o Deus de Spinoza

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"Para de ficar rezando e batendo no peito. O que eu quero que faças é que saias pelo mundo, desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti. Para de ir a estes templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nas praias. Aí é onde eu vivo e expresso o meu amor por ti. Para de me culpar pela tua vida miserável; eu nunca te disse que eras um pecador. Para de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar dos teus amigos, nos olhos de teu filhinho... não me encontrarás em nenhum livro... Para de tanto ter medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem me incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor. Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de n...

A palavra mágica da alma

De repente, como se um destino mágico me houvesse operado de uma cegueira antiga com grandes resultados súbitos, ergo a cabeça, da minha vida anônima, para o conhecimento claro de como existo. E vejo que tudo quanto tenho feito, tudo quanto tenho pensado, tudo quanto tenho sido, é uma espécie de engano e de loucura. Maravilho-me do que consegui não ver. Estranho quanto fui e que vejo que afinal não sou. Olho, como numa extensão ao sol que rompe nuvens, a minha vida passada; e noto, com um pasmo metafísico, como todos os meus gestos mais certos, as minhas ideias mais claras, e os meus propósitos mais lógicos, não foram, afinal, mais que bebedeira nata, loucura natural, grande desconhecimento.  Nem sequer representei. Representaram-me. Fui, não o ator, mas os gestos dele. Tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, por que agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momen...

Veredas

Dia desses (tempo já faz), retornando de um trabalho no campo, observei que o sol lentamente entrava em ocaso. E lá bem distante, na linha limite entre o céu e a terra, começavam uma sucessão de cores impressionante: o laranja dava lugar para o vermelho sangue; o azul escuro era substituído por um roxo mórbido e os tons amarelos misturavam-se em diferentes intensidades com o branco de algumas poucas nuvens, que reluziam feito ouro por ação do resto de sol. Tudo em faixas quase horizontais, finas, que trocavam de lugar a cada piscada, uma mistura de cores impressionante. Um espetáculo. E lembrei-me, sem saber o motivo, da expressão de João Bosco e Aldir Blanc, na música O equilibrista : E nuvens lá no mata-borrão do céu Chupavam manchas torturadas... Estacionei rápida e cuidadosamente em um lugar ligeiramente alto da estrada e coloquei-me a observar, a contemplar, a saborear a beleza do instante. Sim, instante... Mesmo tendo pedido aos deuses da natureza que perpetuassem aquele momento,...

O assunto

É uma noite normal depois de um dia de trabalho... Mas hoje o sofá me incomodou e procurei a poltrona do escritório, onde me encontro agora. Para quem gosta de expressar ideias existem dias difíceis: nada que é pensado consegue ser traduzido em uma sequência de palavras que faça algum sentido para quem as lê posteriormente. Às vezes até acontece de uma luz "solar" brilhar sobre algo, mas surge inesperadamente, entre o sol que ilumina e o assunto iluminado, uma nuvem e tudo volta a estaca zero. Cada um que escreve, ou tenta, tem lá suas maneiras de enxergar através de nuvens. Por exemplo, buscar inspiração em alguma coisa escrita ou falada por outra pessoa, seja ela um poeta, um escritor, o senhor que limpa a praça, a senhora que se encontra toda semana na feira, etc. Alguma frase, algum poema que fique preso à nossa memória e que suscita o assunto.  Hoje abri um antigo livro de Fernando Pessoa   (Obra Poética), e encontrei ao acaso o poema a seguir (parte I), originalmente pu...

9 anos

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Saudades! Saudades do cheiro, Saudades do beijo, Saudades do "oh pai!", Saudades do abraço! Saudades de você!!!    SET, 16, 2024

Saudade de um abraço

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Nunca encontrei um sentido para a morte que verdadeiramente a justificasse e provocasse em mim o justo apaziguamento da aflição gerada na alma nesses momentos. Talvez, apenas talvez, uma única resposta seria o fato, inequívoco, que a morte finaliza a vida e, portanto, sendo capaz de ato tão expressivo - o de colocar limite em algo tão esplêndido e privilegiado - dê à vida seu verdadeiro valor, seu verdadeiro sentido, sua verdadeira verdade. É de pensar, sempre que alguém se vai, para qual lugar se vai depois de consumada a morte. Que lugar é esse? É irremediável acrescentar algo mais a esse pensamento momentâneo da perda, que dê mais significado a algo que já é tão significante: a vida. Em uma primeira análise, sem incorporações filosóficas profundas, "ir para um bom lugar" traz duas possibilidades, não excludentes. A primeira é uma espécie de recompensa pela vida vivida sob a égide do bem; a segunda, não tão graciosa, coloca sobre a vida vivida uma espécie de peso, como se o...